top of page
Foto do escritorAdriane De Luca

Energias-pombas-giras prontas para se juntar a nós. Sorrindo, ardendo, gozando.

16 MULHERES E 1/2 | 2019 transe em trópico . módulo II: corpo como êxtase



15.04.19 | registros

Adriane De Luca


1. Proposta NCD

O sanduíche de riso é cumulativo. Amontoado. Você ri por si e pela reverberação do trepidar do corpo do outro. Aquela vontade de dar socos na mesa até lembrar que tem alguém embaixo. Em pé não tem o mesmo contágio. Me surpreendeu muito a capacidade de produzir riso histérico de algumas pessoas do grupo. Não parecia o riso natural, consequência de uma graça, mas o riso a priori, o disparador da graça em si mesmo. Eu andava sempre na cola.

O riso abraçado em pé foi a etapa mais desafiadora, parecia sempre mais engraçado nas outras duplas, uma mistura de desconforto, incompatibilidade da posição com a ação do rir e alguma distração pela gestão de expectativa do parceiro sobre o momento certo para a pausa, como se esse acordo não fosse possível apenas pela fisicalidade nesse exercício, ao contrário do contato improvisação onde a negociação parece se dar de forma natural.

A terceira etapa, intercalando movimento de fluxo contínuo em câmera lenta - sozinho ou em grupo - com a vibração contagiada pelo toque dos outros foi uma catarse. O atrito do roçar é sexual, é suado, é crescente, é alucinante. Por várias vezes parecia que culminaria no êxtase de um gozo coletivo. Uma transa. Um transe.


2. Proposta Fabi . Ladainha

Esses exercícios de movimento em massa são um desafio. Entender quando movo e quando sou movida. Quem inicia o movimento? Acionar a visão periférica e a escuta ativa, mesmo sabendo que alcanço no máximo duas pessoas para cada lado, intercaladas, pois o momento de prestar atenção num lado é preterir do outro. O deslocamento obviamente nunca se dá em bloco, mas numa sequência mais ou menos organizada, dependendo da ansiedade das partes. Não senti que tenhamos sido bem sucedidos.

A poesia era muito visual e muito musical. Li com a gravidade de um arroto contínuo, da beleza estranha da voz de Arnaldo Antunes. Tudo o que escrevi depois veio nessa toada, ritmada, rimada, mimada, desenhada, concretista. Pretensamente poética.

A fala em fluxo é um exercício mental, me ligo em tudo o que está sendo dito, visto, sentido, como pretexto para dar seguimento. Por mais que canse, falte a saliva, o ar, uma certa rouquidão, não parei. Fomos para a rua. A ladainha virou cidade. Lugar comum. Ninguém notaria a proposta, não fosse uma segunda à noite numa rua quase vazia. Só quem chegasse muito perto percebia a ausência de diálogo. E um certo cantarolar-ruído-experimental da Estela nas entrelinhas. Ouvi a raiva motivando muita gente cansada.

3. Proposta Drica . Devires girantes

O estado imersivo-meditativo que se pretendia para o início da proposta precisava de mais tempo e outra qualidade de entrega. Estávamos já todos exaustos, preocupados com o horário, as duas propostas anteriores tinham sido muito intensas. Na roda de ‘Invocação da xana violeta’ não houve a alternância de frequência, dinâmica e intensidade pedidas. Não ouvi qualquer sinônimo desconhecido, uma pena, só resgataram alguns um pouco engraçados, mas um tanto tímidos.

‘Círculo de fogo’ foi uma experiência impressionante. Quando estava elaborando a proposta para apresentar ao grupo, hesitei várias vezes, pensando que seria insuportável executá-la. Extremamente chata e certamente nauseante. Reduzi o tempo. Achei que todos iriam vomitar e me odiar. Mas o grupo é muito generoso. Eu não ia fazer. Não era justo, então fiz. Fui surpreendida e me surpreendi. Em pouco tempo, tudo em volta começa a girar muito mais acelerado que nosso corpo, uma mistura de agonia e frio na barriga de um certo prazer. A possibilidade que deixei em aberto, de girar no sentido inverso, ajuda muito mais rápido do que imaginava, ainda no segundo ou terceiro giro ela já “corrige” o movimento do entorno. Mas depois, como num chicote, parece que triplica a velocidade do giro para o novo sentido. Alívio falso e temporário da tontura.

Pensei na proposta com a música muito mais alta, latejando na caixa craniana, tambores graves como pulsação que sobe pelos pés, chão vibrando. Mas o horário não permitiu. A náusea é angustiante. Cheguei em casa querendo sumir desse corpo-matéria que não dá conta. A sensação do estômago movendo em meio líquido durou até a metade do dia seguinte. Na etapa do ‘Corre a gira’ já não queria fazer mais nada. O grupo começou a puxar pelos braços, correndo, eu estava na ponta, parecia que ia sair pela tangente e me esborrachar no vidro como um grande vômito. Só queria que acabasse.

Intercalei a seriedade do tema com alguma dose de deboche e descabimento, nunca quis ofender rituais e entidades que respeito, mesmo tendo presentes e claras as críticas postas. Sei a potência desses chamados, elas estavam todas ali, energias-pombas-giras prontas para se juntar a nós. Sorrindo, ardendo, gozando.


177 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comentários


bottom of page