16 mulheres e 1⁄2 08.04.19
TRANSE EM TRÓPICO
módulo 2 | rituais
Preciso falar da escolha dos objetos...
Objeto 1
Me dei conta de que não queria nenhum objeto no meu enterro... a oportunidade de desapegar de tudo e passar dali para melhor estava dada! ... Mas pensei, pensei e lembrei de um vestido branco, que usei seguidamente em rituais de passagem da virada dos anos. Realmente era um objeto impregnado de esperança, embebido do poder e da alegria da travessia...
Objeto 2
Estava quase chegando à conclusão de que não era afetada por nada, quando me dei conta daquelas 3 velas. Ali silenciosas sobre aquela mesa de centro. 9 anos ali paradas à espreita. Mas com o peso da lembrança dos 8 anos anteriores em que ficavam num aparador e eram acesas em suas visitas frequentes. Tempos difíceis, mas intensos e felizes. Agora elas não tinham mais razão de existir. Peguei a maior, a que já tinha o pavio soterrado.
A preparação
Precisava estar presente, mas além disso precisava ter plena ciência de cada pedaço, da textura e do cheiro daquele objeto que tentei ignorar por anos... Antes do gongo tocar eu já tinha mapeado cada centímetro daquela vela e já estava a ponto de pular sobre ela.
10 rounds
A voz da Mari estava lá no fundo, mas o que me interessava era destruir aquela vela. As bordas já gastas e finas eram facilmente quebradas com a mão, mas os pedaços grandes só eram picados com meus dentes. Provavelmente essa técnica deve ter dado certo por uns 2 rounds. Lindos pedaços brancos leitosos sobre o chão de madeira.
As bordas derruídas se foram. Agora era aquele corpo compacto e conciso contra o meu corpo articulado e impotente. Se estivesse na rua já o tinha estraçalhado jogando-o contra o asfalto várias vezes. Mas não. Aquele piso de madeira delicado era o que sustentava aquele corpo e o meu. A estratégia era devorar aquilo e pronto.
Parecia que estava comendo um milho. Raspava meus muitos dentes na carne branca. As raspas se acumulavam dentro da minha boca. Um tanto perfumadas. Cuspia tudo quando não cabia mais na minha boca e estava prestes a engolir aquilo. Saliva e lascas preenchendo o chão de outras texturas. Pareciam lascas de lápis brancos apontados. E essa técnica se mostrou eficaz por vários rounds.
Eu destruiria a vela até o último gongo. Tinha certeza daquilo.
Mas na alvura do corpo desmantelado, que eu encarava, apareceu uma saliva vermelha. Não podia ser. Estava tão obcecada que não sentia nenhuma dor. Continuei. Os pontos vermelhos foram salpicando no chão branco. Não tinha jeito, precisava mudar de estratégia.
Parti para dedos e unhas arranhando aquele corpo carcomido. E aí eu já estava derrotada. Os dedos doíam, as unhas ficavam cheias e a vela ria para mim. Dois corpos semi destruídos ali naquela afetação. Pelo menos conseguimos nos encarar uma última vez.
O bando
A mudança das leituras/ palavras/ sons para mim foram muito rápidas. Teria degustado aquela insistência que ia se esgarçando por horas e horas.
O bando era um porto seguro. Uma alegria. Uma segurança. Uma brincadeira. Os grandes deslocamentos eram mais prazeirosos... tinha cumplicidade ali. Quando os corpos tentavam se ver, mais do que se escutar, voltados uns para os outros, o círculo continha aquela potência toda.
Ouvi um comando que me parecia permitir o vôo solo por um instante. E voei com a visão completamente turva em volta daquele círculo/ montanha. Dei muitas voltas. As asas brancas ao vento, a música embalando a viagem.
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